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TECENDO A TEIA DA VIDA — II

  • Foto do escritor: Mariele Santos
    Mariele Santos
  • 10 de jul. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 3 de ago. de 2024



Quero contar sobre Paola Klug (Veracruz, México, 1980), uma contadora de histórias e poetisa que mergulha profundamente em temas espirituais e culturais relacionados ao México pré-hispânico. Com uma carreira rica, Klug é autora de uma dezena de livros e fundadora do projeto Brujas Morenas, que busca oferecer aos leitores e seguidores uma visão única sobre a vida e a morte.


O texto dela que vou contar é um de seus mais icônicos, “Trançarei Minha Tristeza”. Confesso que chorei a primeira vez que li, lembrei da minha avó. Me vi sentada ao lado dela, junto com meus primos, alguns filhos das minhas tias, outros da tia que morava na rua de baixo e precisava que ela cuidasse dos seus. Me vi ouvindo ela dizer esse texto e a certeza do passado indígena e ancestralidade.


Mulher nativa de Michoacán trançando o cabelo.


TRANÇAREI MINHA TRISTEZA


De Paola Klug & Tradução de Larissa Neves


“A minha avó me dizia que, quando uma mulher se sentisse triste, o melhor que podia fazer era trançar o seu cabelo, de modo que a dor ficasse presa em seus cabelos e não pudesse chegar ao restante do corpo.


Havia que ter cuidado para que a tristeza não entrasse nos olhos, porque iria fazer com que chorasse. Também não era bom deixar a tristeza entrar nos nossos lábios porque iria forçá-los a dizer coisas que não eram verdadeiras.


Que também não se metesse nas mãos porque poderia deixar tostar demais o café ou deixar a massa crua. E a tristeza gosta do sabor amargo.


Quando te sintas triste, menina — dizia a minha avó — trança o cabelo, prenda a dor nas mechas e deixa escapar o cabelo solto quando o vento do norte soprar com força.


O nosso cabelo é uma rede capaz de apanhar tudo, é forte como as raízes do cipreste e suave como a espuma do atol.


Que não te apanhe desprevenida a melancolia, minha menina, ainda que tenhas o coração despedaçado ou os ossos frios com alguma ausência.


Não deixes que a tristeza entre com os teus cabelos soltos, porque ela fluirá em cascatas através dos canais que a lua traçou no teu corpo.


Trança a tua tristeza, dizia. Trança sempre a tua tristeza. E na manhã ao acordar com o canto de um pardal, você a encontrará pálida e desvanecida entre o trançar dos teus cabelos…”


Fotografia tirada na Nicarágua por Candelaria Rivera, do ensaio fotográfico- “Amor de Campo”


Neste texto, Paola Klug não apenas narra uma prática ancestral de trançar o cabelo para lidar com a tristeza, mas também transmite ensinamentos profundos sobre como enfrentar as dificuldades emocionais. A analogia entre trançar o cabelo e prender a dor simboliza uma técnica antiga de gestão emocional, onde as emoções negativas são contidas e processadas de forma consciente. Esse ato não é apenas físico, mas carrega uma carga simbólica poderosa, conectando o indivíduo à sua própria experiência e à sabedoria transmitida ao longo das gerações.


Além disso, ao mencionar que a tristeza não deve entrar nos olhos para evitar lágrimas ou nos lábios para evitar palavras falsas, Klug destaca a importância da autenticidade e da integridade emocional. Esses ensinamentos não são apenas práticos, mas também espirituais, refletindo uma visão de mundo onde a conexão com a natureza e a compreensão das tradições culturais desempenham um papel crucial na cura e no crescimento pessoal.

A sabedoria ancestral transmitida por sua avó e por muitas mulheres, através de linguagens de metáforas, contos e lendas culturais, reflete sobre o constante movimento e evolução da vida, e como estamos sempre tecendo a nossa própria teia de experiências e histórias. Essas narrativas não apenas nos conectam com as raízes culturais e espirituais profundas, mas também nos convidam a refletir sobre o nosso papel dentro desse cosmos maior.

Mulher em Chinchero, Peru,2012- Fonte: seb247.


Este texto não apenas alcançou grande popularidade, mas também foi incluído em livros didáticos distribuídos nacionalmente, tornando-se uma parte integrante do patrimônio cultural mexicano.

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